O que a cena do Oscar nos ensina sobre assédio moral e postura profissional

A cerimônia do Oscar deste ano foi marcada pela agressão de Will Smith a Chris Rock. O tapa na cara do comediante aconteceu após uma piada de muito mau gosto sobre o visual da esposa do ator, Jada Pinkett Smith, que sofre de alopecia — doença autoimune que causa queda de cabelo.

A história do tapa dado pelo ator foi amplamente discutida. Mas uma parte do longo e emocionado discurso de Smith ao receber o Oscar acabou ficando em segundo plano. O ator mencionou que a atitude contra Chris Rock pode ser resultado de uma situação vivenciada em toda carreira profissional: o assédio moral.

“Eu sei que ao fazer o que fazemos, você precisa aguentar abuso, pessoas falando loucuras sobre você e lhe desrespeitando. Você precisa sorrir e fingir que está tudo bem”, afirmou Smith.

Esse tipo de pressão descrita por Smith é muito mais comum no ambiente de trabalho do que se imagina. Um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), publicado em 2020, mostrou que mais da metade dos trabalhadores brasileiros toleram ou praticam assédio moral. A pesquisa contou com a participação voluntária de 2.435 profissionais de 24 empresas, em todo o território brasileiro, durante o ano de 2017. 

Segundo o estudo, cerca de 41% dos entrevistados afirmaram que não denunciam e se omitem em situações de assédio praticadas contra colegas de trabalho. 18% dos profissionais disseram tolerar o assédio moral como algo normal e aceitável, –  “acreditando ser, muitas vezes, o único caminho para alcance de resultados”.  

Por outro lado, cerca de 37% dos participantes da pesquisa apontaram que rejeitam a prática, mas que possuem “alta resiliência quando se deparam com dilemas que envolvem assédio moral”. Ou seja, quando presenciam ou sofrem abuso psicológico, também não denunciam. 

Will Smith não relatou com detalhes um episódio de abuso psicológico no ambiente de trabalho, mas contou que deve “fingir que está tudo bem”. A psicóloga Silvia Zoffman, que também é especialista em orientação profissional e carreira, afirma que essa atitude faz parte de um padrão comportamental: “A pessoa adota um padrão de máscaras para ‘sobreviver’ aos abusos, com a premissa de evitar grandes perdas externas, como oportunidades no trabalho e nas relações sociais.

Os abusos pontuais ou constantes levam à perda de qualidade de vida e agrava quadros de estresse, de perda de autoconfiança e de habilidades”.

Vítima ou não de assédio, a especialista acha importante apontar que a reação de Smith não é indicada para casos de constrangimento no ambiente de trabalho. “Não é a conduta certa, é necessário enxergar quando esse limite está chegando, mas nós não somos seres lineares e temos as nossas limitações. Portanto, é importante reconhecer esses limites e, principalmente, o do outro.”

Como evitar esse tipo de situação?

Diante de situações de abuso psicológico dentro das empresas, Zoffman aponta que a criação de um ambiente acolhedor para que exista a possibilidade de denúncia – por canais exclusivos e sigilosos, geridos pelos setores Jurídico, de Compliance e Recursos Humanos, por exemplo – e a disseminação de um código de ética organizacional, são as melhores medidas. 

“As recomendações são que as empresas estabeleçam ferramentas constantes de pesquisa de clima, de fomento aos feedbacks frequentes entre gestores e equipes, políticas de condutas e de cultura organizacional. É fundamental investir em capacitação para líderes, em políticas de retenção de talentos e em benefícios como acesso à saúde mental (conteúdos como palestras e letramentos, jogos corporativos, atendimentos psicológicos on-line ou presenciais e médicos). Quanto mais coletiva e ampla for a ação de conscientização coletiva sobre este assunto, mais eficiente será o acolhimento em casos de denúncias”, concluiu. 

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